quinta-feira, 6 de março de 2014

AGAIN AGAIN



Todos procuram a sombra 
de umbuzeiro e ouricuri. 
Eu, também, quero o consolo 
de um rosto que eu descobri. 




Rio de Janeiro: Casa Bevilacqua, 1925
FERNANDEZ¸ Oscar Lorenzo

terça-feira, 12 de novembro de 2013


Um dia o silêncio se cansou de ser silêncio e falou pro coração:
Agora quero ser vento
E foi pra janela.



E continuou vivendo.

O ABRAÇO



Hoje eu quero que você seja bem egoísta.
Sim,
Quero que você só fale de você, seus sentimentos
Não se importe comigo ou que eu possa estar sentindo
Só quero saber de você
Das suas alegrias, dores, dos seus sorrisos
das lágrimas de tanto rir ou tanto chorar
ou chorar de rir
Não quero falar de mim
Só de você
Seja totalmente egoísta e fale só sobre suas questões
Afogue seu rosto no meu peito
como se fosse um travesseiro
Hoje não mais com o que preocupar
além de você.
Hoje eu quero que você seja totalmente egoísta.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

PARA NÃO ESQUECER

1. A coisa mais triste de ouvir quando se está terminando um relacionamento é: "não temos mais assunto".
2. A coisa mais triste de ouvir quando se está terminando um relacionamento é: "não temos mais assunto".
3. A coisa mais triste de ouvir quando se está terminando um relacionamento é: "não temos mais assunto".
4. A coisa mais triste de ouvir quando se está terminando um relacionamento é: "não temos mais assunto".

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

gravidade

Corpos insistem em cair
Corações insistem em querer calor
Estrelas insistem em brilhar
O céu insiste em virar silêncio
A casa insiste em me ter.
E eu insisto em querer amar.


segunda-feira, 2 de setembro de 2013


Quantas cicatrizes você têm no seu corpo?
Onde estão suas cicatrizes?
Qual é a cor das suas cicatrizes?
Qual é a textura das suas cicatrizes?
O que sente quando olha suas cicatrizes?
Você odeia suas cicatrizes?
O que causou suas cicatrizes?
Quem curou suas cicatrizes?
Qual o tamanho das suas cicatrizes?
Você já mostrou suas cicatrizes?
Você esconde suas cicatrizes?
Quando adquiriu suas cicatrizes?

domingo, 1 de setembro de 2013

Certa vez um amigo me disse que viver ao lado de uma única pessoa pro resto da vida é tão triste como viver sem ninguém. O que acontece quando você passa a considerar realmente que talvez em pouco tempo aquela pessoa não estará mais ali, ao seu lado? A possibilidade da ausência e saudade seria tão ou mais dolorosa que o vazio, o vácuo, do que a rede de solidão que você se envolveu durante todos esses anos? Aquele que viveu solitário e se tornou amigo ou se acostumou com a solidão teria alguma vantagem sobre quem perde seu companheiro, seu ente que esteve junto por décadas? Afinal, no fundo, não somos todos uns solitários, independente do histórico?

Olhar pra um quarto e imaginá-lo vazio e ainda mais silencioso.
Processar memórias e sentimentos.
Antecipar a angústia. Procurar um lugar. 
Racionalizar o vazio. 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O que é ser homem maduro? O que é crescer? O que é fazer trinta anos? ´
Alguns dizem que é ver as pessoas que você amou ou cresceu até agora morrerem.
Alguns dizem que é aprender a desapegar.
Alguns dizem que é a hora de começar a pensar em construir seu projeto de família.
Alguns dizem que é quando você se torna frio e cínico.
Alguns dizem que é quando deixamos de sonhar.
Alguns dizem que é quando compramos o primeiro carro, ou nosso primeiro apartamento.
Alguns dizem que é quando o corpo responde aos abusos de uma vida jovem.
Alguns dizem que é quando você fica menor que sua obra.
Alguns dizem que é quando tudo vai pro vácuo.
Alguns dizem que é quando você deixa de arriscar.
Que é quando tenta fazer as pazes com a solidão
Ou passa a usar drogas pra dormir, pra acordar, pra sorrir e pra acalmar.
Alguns dizem que ser adulto é bom
E que ser adulto é acreditar nisso.


TURBULÊNCIA EM CÂMERA LENTA

Eu voltei.
Voltei com uma bomba no colo,
voltei com medo, voltei engasgando.
Quando o avião pousava em Brasília, senti uma grande e forte turbulência, mas ela pareceu diferente de outras que senti. Não segurei na mão de ninguém e ela acontecia lentamente, ou meu corpo ficou pesado, assim como esse sopro. É como se alguém soprasse dentro do seu corpo vazio, e aquele hálito ficasse ali, parado, pesado. E eu inerte. Eu estou perdido e triste, eu não sei como ajudar meu pai que está doente. Eu me sinto jogado num país que sempre evitei e adiei. eu me sinto como um papel molhado. Eu sinto dor.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

 I can't feel my heart
 beating in your heads
 my aura and yours
 meeting in distance
 pull the trigger. I'm ready.
 it's SHOWTIME!!!!! 

terça-feira, 16 de julho de 2013




Comer manga de vez
Dormir com o barulho da chuva
Ver uma parede repleta de novos desenhos
Gozar dentro
Gozar fora, na cara
Acordar e ter café feito pra você
Cheiro de café
Tirar carrapicho da roupa
Sentar no banco do carona
Ser levado pra algum lugar desconhecido
Se descontrolar
Comprar uma roupa que ficou perfeita em você
Achar uma relíquia secreta no brechó de quinta categoria
Beber muito e não ter ressaca
Acertar no presente pro pai e pra mãe
Amanhecer com cogumelos no quintal
Achar casa de João-de-barro
Experimentar uma nova fruta
Fazer na frente do espelho
Beijar uma amiga
Ser aprovado no curso de idioma
Ajudar um cego atravessar a rua
Visitar um novo país
Achar fotos em livros antigos
Tomar relaxante muscular
Gravar playlist pra malhar
Mandar SMS avisando que chegou
Mandar SMS avisando que já saiu
Mandar SMS avisando que chega em 10 minutos
Mandar SMS pedindo pra descer
Mandar SMS avisando que vai atrasar
Pagar faturas de cartão de crédito
Encontrar caixas vazios
Inventar um apelido ridículo
Apresentar sua mãe
Apresentar seu irmão
Ganhar cuecas
Fazer massagem
Achar graça do mau humor
Dar uma de suas mais estimadas plantas
Passear com o cachorro
Dormir com o cachorro no meio
Comprar bichos de pelúcia
Fazer vista grossa
Fingir sonhar junto
Apressar o passo
Prestar contas
Lustrar os ícones
Trazer oferendas diárias
Simular saudade
Queimar a saudade
Evocar a saudade
Requisitar a saudade
Inventar a saudade
Viver de saudade
Viver de Bad Romance
Imaginar-se velhinhos
Imaginar-se juntos
Ser amigos
Ao menos amigos
Não guardar mágoas
Não desejar o mal
Desejar toda a felicidade do mundo
Desejar feliz Natal
Desejar feliz Ano novo
Desejar feliz Aniversário
Seguir cada um sua própria vida
Levantar a poeira
Escrever cartas
Rasgar cartas
Encher gavetas
Esvaziar gavetas
Amar pra sempre
Escrever.
Perguntar como está
Ter notícias
Falar.
Emitir sons. Respirar.

Sobreviver.


segunda-feira, 15 de julho de 2013



Meu professor de Jump foi a pessoa mais divertida, positiva e alegre que conheci esse ano. Sua alta energia é contagiante e não há como não entrar no seu embalo. Ele é um coroa interessante, deve ter seus 42..43..e eu acho que ficaria com ele sim, nessas quebradas da vida. Tem aquela beleza que eu gosto, não óbvia, é muito gentil e atencioso e tem uma really really hot ass. Quando estou pra baixo, gosto de ir pra sua aula e penso as coisas mais absurdas enquanto me derreto em suor. Gosto dele gritando bem alto o que fazer, gosto da seleção primorosa de músicas que ele faz pra aula. Me lembra as músicas que tocavam nas primeiras baladas que comecei a frequentar quando vim morar em BH. É uma grande festa, e tudo soa mais leve e divertido. Fico constrangido com suas mini aulas de salsa e forró no final do Jump pra relaxar e descontrair. Tenho dois pé esquerdos, tenho vergonha dessas danças mais complexas. Ele me pergunta sempre se faço algum tipo de Yoga ou algo do tipo, já que sento e fico quieto esperando a aula começar em posição de lótus, diria. Sou tímido e observo ele tirando onda com a cara das meninas que correspondem a uns 99% da aula. o resto são outros quatro alunos gays. Meu professor faz um gay bem caricato, quando descobriu que trabalho com artes visuais disse que além de ser professor de educação física também já trabalhou ou trabalha com teatro e artes (mostrou a decoração em papel de seda da festa junina da academia para exemplificar o tipo de arte que ele faz) .

Ele me diverte. Queria chegar aos 30 me sentindo bem melhor com meu corpo e sua aula faz isso parecer menos pesado, chato e inalcançável. Aos poucos eu notei que transformei essas aulas em pequenos refúgios. há dias em que entro em transe nessa academia pensando no futuro enquanto faço os exercícios. um transe, quase. não lembro de ter falado com ninguém ao invés do feliz professor. invejo seu carisma. Tenho dançado pouco com o passar dos anos, mas gosto de dançar (disfarçadamente) na sua aula, enquanto penso no que farei depois dali. Também tenho pensado muito na velhice, e no tipo de senhor que vislumbro ser. Será que é muito tarde pra querer aprender uma nova dança? 

Boa semana!


E aguenta coração!

domingo, 14 de julho de 2013

as caixas



Não existe faxina sem a parte da bagunça, ainda mais pra pessoas que se acostumaram a viver com o caos como eu. o caos cria, na verdade, se a gente prestar atenção em como funciona o universo, perceberá que é o caos que é a lógica. que é através dele que a vida tomou forma. A gente é uma versão micro desse caos macro. é ilusão pensar em ordem, é ilusão tentar organizar a vida. mas a gente tenta e é necessário pra suportar e aprender a viver junto. 

Assim é com as lembranças. Às vezes as deixamos jogadas de lado, com medo de encará-las e ter que lidar com elas, essa difícil tarefa. Temos vontade e medo de tirá-las daquele lugar escuro, daquela caixa de sapatos escondida no ponto mais alto do armário. Temos um certo respeito, pudor e luto por tudo que ficou guardado ali. Respeito. Temos culpa, temos força por ter conseguido alcançar esse estágio. Nos perguntamos todas as madrugadas se não devíamos ter jogado essa caixa fora e nos cobramos uma resposta clara e lógica: Por quê ainda guardamos? Por quê não jogamos fora de uma vez? 

Porque estávamos esperando o dia como esse. Organizar. é impossível relatar o que acontece nesse momento. Uma coisa é fato: Os olhos enxergam melhor. os ouvidos escutam melhor. tudo se torna tão pequeno e tão grande pra aquela caixa ao mesmo tempo. Tudo soa novo e revigorante, mas totalmente reconhecível e seguro. É preciso dar valor em nossas caixas de sapato. São elas que nos fazem pensar, refletir e aceitar as coisas dessa vida, que nem sempre são como sonhamos. São essas pequenas ou grandes caixas que guardam além de ácaros, pedaços da nossa história. São essas caixas que não nos deixam esquecer o que somos, o que foi dito, o que sonhamos, a imagem que criamos de nós mesmos. A caixa de memórias pode ficar anos, décadas intacta. Mas uma vida sem caixas seria muito mais triste e inaceitável. 

Às vezes ficamos dias sem reação após organizar as caixas. Ás vezes ficamos constrangidos e derramamos lágrimas de uma fonte que julgávamos seca. Ás vezes soltamos nossas caixas no mar ou a enterramos em um jardim florido. Ás vezes sentimos que aquela caixa não faz mais sentido e só ocupa espaço e a deixamos numa lixeira do condomínio. Ás vezes descobrimos gavetas secretas em nossos corações para colocar novas caixas para dormir. 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O AMADO





Como pode ser 
gostar de alguém
e esse tal alguém
não ser seu? 



-



Amado, 2013.
Intervenção urbana sobre cartazes de animais desaparecidos.
Desenho/impresso. Bairro Santo Antônio, Belo Horizonte.
Minas Gerais, Brasil. 





















terça-feira, 11 de junho de 2013

Em minha janela, sempre ela, essa janela
vejo aquele horizonte que tanto me tirou o fôlego
Hoje o dia está lindo, muito lindo
a luz do sol tem cor laranja
BR 040
minhas plantas,
minhas mudas
É como se despertasse de uma ressaca
É como se tudo fizesse sentido novamente
O dia está lindo, com a luz do sol laranja
Uma criança solta pipa
no céu cor grafite
que coexiste com a luz laranja
condomínios de luxo, BH Shopping, favela Santa Lúcia
Motéis, outlets, minha casa
o céu, um sorriso
24 horas pra mudar de vida
Uma tempestade está chegando
tenho gosto de café na boca, sonhei contigo de madrugada
Não estou triste
não estou feliz
estou sóbrio
e sem ressaca.

A CEBOLA - MARINA ABRAMOVIC








I’m tired from changing planes so often.

Waiting in the waiting rooms, bus stations, train stations airports.

I’m tired of waiting for endless passport controls, fast shopping in the shopping malls.

I’m tired of more and more career decisions, museum and gallery openings, endless receptions, standing around with a glass of plain water pretending that I’m interested in conversations.

I’m so tired of my migraine attacks, lonely hotel rooms, dirty bed sheets, room services, long distance telephone calls, bad T.V. movies.

I’m tired of always falling in love with the wrong man, tired of being ashamed of my nose being too big, of my ass being too large, ashamed about the war in Yugoslavia.

I want to go away somewhere, so far that I’m unreachable by telephone or fax.

I want to get old, really old, so that nothing matters anymore.

I want to understand and see clearly what is behind all of this.

I want not to want anymore.



quinta-feira, 23 de maio de 2013

O SONHO INTERROMPIDO




primeira folha | o sonho do incenso from GABINETE FANTASTICO on Vimeo.


É com prazer que apresento o primeiro video para o Primeira Folha Fruto da parceria entre o gabinete fantastico e Atelier Tristeza e Glória, o projeto será uma trilogia de videos brevidades com ar de sonho interrompido e este explora o universo dos incensos com ares de idílio e natureza morta.
Recomendo estes incensos e perfumes que ao serem espargidos e queimados, tornam imediatamente a vida melhor. Encomendem!

terça-feira, 30 de abril de 2013

O FIM DO AMOR, SEGUNDO DANUZA LEÃO E PAULO MENDES CAMPOS



Houve um tempo em que ele não fumava charuto quando você estava perto, ou soprava a fumaça para o outro lado, para não incomodá-la. Agora, ele leva o charuto para o quarto e de vez em quando até deixa cair cinza nos seus belos lençóis. Mas não importa o que ele faz: interessa mesmo é saber como vai seu coração. Vamos ao teste?

Quando ele ia surfar, seu maior prazer era ficar sentada na areia, olhando aquele deus dominando as ondas como se fosse um personagem do Antigo Testamento. Era o nirvana, entre uma onda e outra. Hoje você fica no celular falando com uma amiga e, se ele se afogar, só vai saber quando chegarem os banhistas para salvá-lo.

O tempo passa e as coisas mudam, inclusive aquelas que pareciam eternas.
Lembra daquele verão em que você, suando em bicas, dormia com o termômetro marcando 42 graus e o ar-condicionado desligado -felicíssima- porque ele tinha alergia? Isso, sim, era amor.
E lembra de quando ele resolvia ouvir jazz, aquele bem barulhento, e você nunca ousou dizer que preferia, mil vezes, ouvir Maria Bethânia cantando “Fera Ferida”?

De manhã, mesmo que acordasse com insônia às 6h da manhã, não tocava nos jornais; ele não gostava -nenhum homem gosta-, que nem você, o amor de sua vida, ponha o dedo nos jornais antes dele. E valeu? Bem, depende. Atenção: quando uma mulher responde depende é bom desconfiar.
A duríssimas penas -e sempre por amor- você deixou de fumar e de beber. Não que fosse uma Amélia; mas se fosse recomeçar, seria capaz de fazer tudo de novo? E no sábado à tarde, quando ia, toda sorridente, ver o filme de violência que ele queria e jamais o que gostaria de ver, pois abria mão de tudo para fazer sua vontade? E ainda encarava sair às vezes para jantar com seus amigos -e a mulher-, tendo que ser bem simpática, falar de problemas de casa e trocar receitas, quando a vontade era de se enfiar na cama com um livro até o sono chegar e dormir com a luz acesa, assim, a troco de nada.

Hoje, quando estão jantando os dois, sozinhos, e ele pede seu último camarão, você dá com a maior boa vontade ou quer matar?

É, a gente muda, a vida muda, e é preciso pegar leve. Mas, se comprar uma caixa de chocolates e na hora em que ele estiver chegando esconder no fundo da gaveta, atenção: talvez o amor tenha chegado ao fim.

Não se nega um chocolate ao ser amado, mas, quando isso acontece, é o sinal inequívoco de que o amor acabou.

Danuza Leão


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O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Paulo Mendes Campos

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O LUTO

















Para quem eu posso colocar essa pergunta (com alguma esperança de uma resposta)?
Ser capaz de viver sem alguém que você amava significa que você a amou menos que você pensava...?














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R. Barthes











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quinta-feira, 21 de março de 2013

A MORTE DA TARTARUGA

O menininho foi ao quintal e voltou chorando: a tartaruga tinha morrido. A mãe foi ao quintal com ele, mexeu na tartaruga com um pau (tinha nojo daquele bicho) e constatou que a tartaruga tinha morrido mesmo. Diante da confirmação da mãe, o garoto pôs-se a chorar ainda com mais força. A mãe a princípio ficou penalizada, mas logo começou a ficar aborrecida com o choro do menino. “Cuidado, senão você acorda o seu pai”. Mas o menino não se conformava. Pegou a tartaruga no colo e pôs-se a acariciar-lhe o casco duro. A mãe disse que comprava outra, mas ele respondeu que não queria, queria aquela, viva! A mãe lhe prometeu um carrinho, um velocípede, lhe prometeu uma surra, mas o pobre menino parecia estar mesmo profundamente abalado com a morte do seu animalzinho de estimação.

Afinal, com tanto choro, o pai acordou lá dentro, e veio, estremunhado, ver de que se tratava. O menino mostrou-lhe a tartaruga morta. A mãe disse: - “Está aí assim há meia hora, chorando que nem maluco. Não sei mais o que faço. Já lhe prometi tudo mas ele continua berrando desse jeito”. O pai examinou a situação e propôs: - “Olha, Henriquinho. Se a tartaruga está morta não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí e vem cá com o pai”. O garoto depôs cuidadosamente a tartaruga junto do tanque e seguiu o pai, pela mão. O pai sentou-se na poltrona, botou o garoto no colo e disse: - “Eu sei que você sente muito a morte da tartaruguinha. Eu também gostava muito dela. Mas nós vamos fazer pra ela um grande funeral”. (Empregou de propósito a palavra difícil). O menininho parou imediatamente de chorar. “Que é funeral?” O pai lhe explicou que era um enterro. “Olha, nós vamos à rua, compramos uma caixa bem bonita, bastante balas, bombons, doces e voltamos para casa. Depois botamos a tartaruga na caixa em cima da mesa da cozinha e rodeamos de velinhas de aniversário. Aí convidamos os meninos da vizinhança, acendemos as velinhas, cantamos o “Happy-Birth-Day-To-You” pra tartaruguinha morta e você assopra as velas. Depois pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal, enterramos a tartaruguinha e botamos uma pedra em cima com o nome dela e o dia em que ela morreu. Isso é que é funeral! Vamos fazer isso?” O garotinho estava com outra cara. “Vamos, papai, vamos! A tartaruguinha vai ficar contente lá no céu, não vai? Olha, eu vou apanhar ela”. Saiu correndo. Enquanto o pai se vestia, ouviu um grito no quintal. “Papai, papai, vem cá, ela está viva!” O pai correu pro quintal e constatou que era verdade. A tartaruga estava andando de novo, normalmente. “Que bom, hein?” - disse. - “Ela está viva! Não vamos ter que fazer o funeral!” “Vamos sim, papai” - disse o menino ansioso, pegando uma pedra bem grande. - “Eu mato ela”.

MORAL: O IMPORTANTE NÃO É A MORTE, É O QUE ELA NOS TIRA.

(Millôr Fernandes, "Fábulas Fabulosas")

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

METADE



Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

O SILÊNCIO É UMA PRECE













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Blecaute na dor. 
Paz no coração. 
No mais a gente acerta. 
Aos poucos, o que não é pra ser definha e a gente floresce,
não como flor e sim como prece." 

Ju Fuzzeto








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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013